quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

A Fuga da Presença

    A realidade do homem pré-lapsário (do homem anterior à queda – laspso = queda) foge em muita da nossa compreensão porque ela não nos é comum. Somos homens cuja natureza, em função do pecado dos primeiros pais, está maculada pelo pecado. Mas a escritura nos fornece alguns dados a respeito disso, entre eles se diz que o homem gozava da comunhão plena com Deus, assim como o casal estava nu e disso não se envergonhava (Gn 2.25). É interessante ver as coisas desse ângulo, pois o pudor é um dos dados humanos mais comuns, sendo uma reação natural contra certa possibilidade de invasão da nossa intimidade, invasão essa que uma vez consumada nos tornaria menores. Daí o sentimento de vergonha nos ser tão comum, incluindo aí aquilo que no que diz respeito à nudez, pois ao nos cobrirmos fugimos daquela vulgarização que se constitui em uma poluição moral contra o que somos.

Nesse sentido, é possível entender o porquê de reagirmos com estranheza ao fato do primeiro casal estar nu e não se envergonhar. Essa não é a nossa experiência, e está longe de ser facilmente compreensível. Mas um dado pode nos tornar compreensível essa disposição do primeiro casal. O estado de justiça original de Adão e Eva implica necessariamente na inocência inerente. Ao que nos consta, eles nem possuíam consciência de estarem nus (Gn 3.7). Uma interpretação comum é de que eles eram transparentes uns para os outros. Contudo isso não facilita de todo a compreensão. O fato é que isso deve ser compreendido dentro do contexto de Gn 3, onde a vergonha vem na esteira do pecado. Assim, a árvore, como sendo árvore da ciência do bem e do mal nos informa que não havia no primeiro casal um conhecimento da malignidade. Vindo a comer o fruto eles conheceram o mal, mas não o mal em qualquer coisa, fora deles, mas sim o mal em neles mesmos.

A primeira disposição mental do casal que se reconheceu nu foi costurar uma roupa de folhas de figueira (Gn 3.7), assim, eles buscaram fugir deles mesmos – pois não suportaram se enxergar depois que cometeram o mal juntos -, e após isso se segue a vontade de fugir da presença do Senhor. A fuga da presença é uma fuga envergonhada, já que o homem no ato pecaminoso contraiu um mal que não pode lançar para longe de si. E não podendo ocultar o seu próprio pecado, agora eles ocultam a si mesmos. É certo que da santidade do Senhor todo mal se envergonha, não podendo se sustentar. Assim também, agora os homens fogem da malignidade dos olhos alheios. E nesse sentido temos duas disposições: 1) a de fugirmos dos olhos invasivos e maus; 2) e a de fugirmos dos olhos justos e bons que podem ver a maldade em nós. Essa parece ser as consequências da entrada do mal no mundo, assim como ter os olhos abertos para conhecermos tanto o bem quanto o mal.

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